VADE-MÉCUM DO GENUÍNO TEXTO ACADÊMICO

Henrique Rodrigues

É dúvida constante da maioria dos alunos o modo como escrever a sua monografia de fim de curso. Na verdade, sempre existe algo mais interessante para se fazer, de modo que toda a preocupação se concentra na última semana, resultando num trabalho mixuruca feito às pressas. Na ânsia de agradar aos professores, o aluno desesperado acaba cometendo gafes inaceitáveis, como trocar os nomes dos autores ou deixar escapar uma gíria noturna no meio do texto. Para evitar que tais equívocos impeçam a aquisição do trofélico diploma, segue em primeira mão uma seleta de informações, à guisa de auxílio, encontráveis na maior parte dos trabalhos bem-sucedidos1 .


1) Do tema:


— Definitivamente é possível desenvolver qualquer idéia sob a forma de texto. Uma palavra vale mais que mil imagens.
— Ainda assim, é preferível seguir os passos dos medalhões das respectivas áreas, redescobrindo um assunto esquecido e chato. Do contrário, corre-se o risco de se ter o trabalho anulado, ou lido com indiferença.
— Temas contemporâneos, polêmicos e instigantes são recomendáveis apenas àqueles que pretendem mudar de curso antes da formatura.
— Não há dúvida de que a melhor escolha é feita da “lista de temas”, fornecida pelo professor orientador. A incapacidade do aluno sempre é prevista.


2) Do título:


— Tornou-se praxe a utilização de palavras esdrúxulas como título, seguidas de um subtítulo comportado2 , indicando que despojamento e informalidade não podem ultrapassar a primeira página. Aliás, ficam na primeira linha.
— É de bom tom o uso de termos que sugiram metáforas indecifráveis.
— A ausência de título só pode ocorrer se o trabalho contiver algum teor niilista. Desde que haja uma nota — também em branco — explicando a auto-referência.
— É bom saber que o título será o máximo que muitos lerão do trabalho.


3) Da epígrafe:

— Toda epígrafe é melhor vista se estiver em língua estrangeira, com atenção naquela especificamente não dominada pela banca.
— Uma citação que não tenha relação alguma com o trabalho pode atestar uma suposta ‘sacação’ inteligente.
— Duas epígrafes sempre são melhores que uma, principalmente se os autores estiverem separados por vários séculos. Três é demais.
— Até hoje ninguém foi reprovado por inventar uma epígrafe perfeita ao trabalho e atribuí-la a um Nobel.


4) Dos agradecimentos:


— Agradecer a um número grande de pessoas pode dar a impressão de que o trabalho foi extremamente dispendioso3 .
— Na lista, o professor orientador deve vir por último, em negrito de preferência.
— Prestar agradecimento a indivíduos cuja vida não está de forma alguma ligada ao trabalho, como o jornaleiro ou o entregador da drogaria, sugere que a pesquisa de campo foi deveras ampla.
— Esquecer-se dos agradecimentos significa que pais, amigos e professores pouco ajudaram na produção do trabalho, o que é verdade na maioria dos casos.


5) Da confecção textual:

— É imprescindível que a construção textual se dê pela balanceada alternância entre citações e paráfrases.
— Não se escreve com dez palavras claras o que se pode escrever com vinte palavras empoladamente monstruosas4 .
— Fica extremamente proibida qualquer manifestação de criatividade. Para isso existem os grandes nomes.
— Aumentar consideravelmente o tamanho da fonte faz o texto ficar bem mais longo, infração detectada somente por especialistas.
— Citar qualquer obra do sociólogo Fernando Henrique Cardoso é uma ironia que rende pontos.


6) Das notas de rodapé:


— As melhores notas de rodapé são aquelas que contêm um enorme bloco de texto, causando/acentuando miopia pela prolongada leitura de fontes tão pequenininhas.
— Deve-se lançar mão de uma nota de rodapé para distrair o leitor quando o trecho for por demais insípido, fazendo-o sair do texto sem abandonar a obra.
— Termos latinos já são incompreensíveis em si, e nas notas é possível usá-los de forma abreviada, gerando ainda mais confusão e soberba.
— O fato é que ninguém lê as notas5.


7) Da bibliografia:


— A bibliografia é analisada não pela seleção criteriosa de material de pesquisa, mas por volume de laudas.
— Convém dar preferência a obras de difícil acesso. Tão melhor se algumas inexistirem.
— Sobrenomes exóticos e de muitas consoantes sempre causam boa impressão, principalmente se o autor for indiano ou israelita. Sem conseguir ler o nome, o leitor passará para a próxima referência e sequer notará que se trata de uma obra de outra área.
— Soa bem ostentar o domínio de várias línguas pela utilização de obras estrangeiras originais, mesmo quando há boas traduções na livraria do shopping.

LEMBRETE: Não é que a juventude tenha deixado de refletir. Ela só notou que os espelhos não vão mais longe que uma porta de guarda-roupa ou um provador de butique.


 

Notas:

1. Estas dicas não estão no manual da ABNT.

2. Exemplos: "TE ESCONJURO, MIZIFIO: breve estudo sobre o falar afro-baiano"; "ATÉ LAMBI O PRATO: apontamentos para uma práxis da gula infanto-juvenil"; "DEIXA QUE EU DEIXO: considerações acerca da organização político-partidária brasileira".

3. Cf. Lista telefônica.

4. Errado: "E assim concluímos que o cigarro prejudica a saúde"; Certo: "Destarte, porventura apresenta-se o cancro ao praticante contumaz do ato fumarento na proporção direta da cumulação do malefício supracitado num período cabível de formação nodulosa no organismo desse mesmo indivíduo, cerceando-lhe o bem-estar natural a médio ou longo prazo."

5. Esta é uma exceção